quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Quando Deus nos criou não estava distraído

Parece um paradoxo. Mas não é.
A repetição inaciana convida a isto mesmo: repetir para prosseguir. É uma sequência de repetições na nossa vida que nos faz avançar.

O nosso nome não é repetido todos os dias?
Sim, mas renova-nos a vida.
O amor que mantemos aos que nos amam há tanto tempo, não é repetido? 
Sim, mas permiti-nos continuar a construir essas relações.
E quantas vezes já comemos a nossa comida favorita?
Até repetimos. Não é isso que nos faz deixar de gostar, antes pelo contrário.

Haverá garantidamente uma certa arte no repetir.
Não devemos repetir indiscriminadamente.
Mas devemos sempre estar atentos ao que é bom repetir.

Repetir aquele café com aquele amigo, 
voltar aquele lugar que nos dá paz, 
ler aquele livro que nos descansa, 
recitar aquela oração que nos reconciliou com Deus, 
ouvir aquela música que nos sintonizou naquele momento.

Não escrevo sobre nostalgia.
Escrevo sobre os pequenos atos que nos recuperam o ânimo,
que nos relembram de quem somos e de para o que fomos criados.
Que nos devolvem ao que nunca deixámos de ser mas que ficou perdido 
no meio da dor, da confusão, do tempo. 
Dos subtis gestos que nos fizeram dar mais um passo.
Só um, só o pedido, só o necessário.
Daqueles imperceptíveis movimentos que despoletaram caminhos mais definidos, mais reais. 
Os inesperados dons que recebemos sem nada pedirmos. 
As pessoas que nos salvaram sem  o saberem, 
as histórias que nos contaram sem imaginarem que não íamos esquecer. 
As realidades que vivemos e que nos transcenderam a nós próprios e aos nossos sonhos. 
O que já agradecemos e continua a fazer-nos bem.

Ou simplesmente recordarmos que 
quando Deus nos criou não estava distraído. 
Estava empenhado num projeto de Amor cheio de pormenores, 
feito num delicado equilíbrio entre fragilidade e glória. 
Um projeto que repete todos os dias e a toda a hora, 
na esperança de que estejamos atentos 
a mais um detalhe de Amor que nos foi dado ser, viver, receber.

E é numa repetição aparentemente ilógica (mas jamais saudosista), que reconhecemos forças para voltar ao trilho que nos cabe seguir. Pelo menos por agora. Até à próxima proposta criativa de Deus que nos convide a repetir.

Saibamos repetir o pedido da graça de saber repetir.

Andreia Carvalhao
21.09.2015 in essejota.net


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