sábado, 12 de dezembro de 2015

Vigiar é dar-se conta de tudo

Vigiar significa não nos reduzirmos a apagar os instintos sociais cujo nome é interesse, lucro, vantagem. Com efeito, Jesus Cristo veio para «nos ensinar a viver neste mundo» (Tito 2,12), ou seja, para nos ensinar um modo de viver as relações, de plasmar uma geração, de criar uma civilização, em síntese, um modo de estar no mundo segundo a vontade de Deus.
Por isso, vigiar é precisamente o contrário daquele não se dar conta de nada. Vigiar é dar-se conta de tudo. Dizendo «vigiai», o Senhor diz a cada um de nós: «Dai-vos conta de tudo», isto é, sê tudo em cada coisa. Coloca tudo aquilo que és na mais pequena coisa que fazes. Sê inteiro e não excluas nada de ti.
Vigiar significa então dar-se conta de que na nossa humanidade e a nossa fé joga-se inteiramente nas ações grandes ou pequenas que cada dia cumprimos e nas palavras importantes ou simples que saem da nossa boca.
Vigiar significa estar consciente de que a qualidade do nosso estar no mundo é dada pelas escolhas como pelas renúncias a que cada dia somos chamados, muitas vezes forçados, a fazer.
Vigiar é uma decisão da vontade e não um impulso do instinto. Sempre que se vigia noite adentro, deve estar-se preparado para o cansaço, para a resistência, até à luta consigo próprio, com os seus medos, as fraquezas, o torpor do sono. Mas preparar-se também para a fadiga de exercitar a inteligência iluminada pelo Evangelho, única condição para não se adequar passivamente àquilo que todos dizem e todos fazem.
Só quando constatarmos a distância e, por vezes, a total incompatibilidade do nosso pensar com o pensamento dominante, é que teremos então começado a ter em nós «o pensamento de Cristo» (1 Coríntios 2,16). Vigia por Cristo quem tem o pensamento de Cristo.

Ir. Goffredo

Mosteiro de Bose, Itália 
In "Monastero di Bose"
Trad. / edição: Rui Jorge Martins 
Publicado em 10.12.2015

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Também eu vou em busca da luz


Letra
Hoje a semente que torna na terra 
E que se esconde no escuro que encerra 
Amanha nascerá uma flor. 
Ainda que a esperança da luz seja escassa 
A chuva que molha e passa 
Vai trazer numa luta amor. 

Também eu estou à espera da luz 
Deixou-me aqui onde a sombra seduz. 
Também eu estou à espera de mim 
Algo me diz que a tormenta passará. 

REFRÃO: 
É preciso perder para depois se ganhar 
E mesmo sem ver, acreditar. 
É a vida que segue e não espera pela gente 
Cada passo que demos em frente 
Caminhando sem medo de errar. 
Creio que a noite sempre se tornará dia 
E o brilho que o sol irradia 
Há-de sempre me iluminar. 

Quebro as algemas neste meu lamento, 
Se renasço a cada momento, 
Meu destino na vida é maior. 

Também eu vou em busca da luz 
Saio daqui onde a sombra seduz. 
Também eu estou à espera de mim 
Algo me diz que a tormenta passará.

REFRÃO: 
É preciso perder para depois se ganhar 
E mesmo sem ver, acreditar. 
É a vida que segue e não espera pela gente 
Cada passo que demos em frente 
Caminhando sem medo de errar. 
Creio que a noite sempre se tornará dia 
E o brilho que o sol irradia 
Há-de sempre me iluminar.

Sei que o melhor de mim está pr'a chegar! 
Sei que o melhor de mim está por chegar. 
Sei que o melhor de mim está pr'a chegar

domingo, 4 de outubro de 2015

Acho que Deus nos vai perdoar tudo

«Acredito que o que é pedido a cada um de nós 
é que sejamos originais. 
Acho que Deus nos vai perdoar tudo,
as asneiras que fizemos,
as incertezas,
uma cretinice ou outra.

Acho que Deus nos vai perdoar tudo. 

Só não nos vai perdoar não termos sido nos próprios. 
É tão importante.
O cristianismo precisa de pessoas originais,
que vivam a sua vida, a sua singularidade.
O meu sonho é que o mundo se encha
de mulheres e de homens improváveis.

 Essa é a minha utopia.»

José Tolentino Mendonça

sábado, 3 de outubro de 2015

Os dois serão como um só

Um casal muito pobre ia celebrar o aniversário do seu matrimónio. Ele dava voltas e mais voltas à cabeça, sem sucesso, pensando como conseguir umas poucas moedas para presentear a mulher que tanto amava e que o tinha acompanhado durante quase toda a sua vida. Até que teve uma ideia que lhe causou calafrio: poderia vender o cachimbo, com o qual todas as tardes se sentava a fumar à porta da sua casa. Com o dinheiro, podia oferecer à sua mulher um pente, para que pudesse pentear o seu belo e longo cabelo, que cuidava com tanto esmero.
Finalmente, com o coração pesaroso e alegre ao mesmo tempo, aquele homem vendeu o seu cachimbo e aproximou-se de casa, levando envolvido num pobre papel o pente que tinha comprado. Lá o esperava a sua mulher, que tinha vendido o seu bonito cabelo negro para oferecer ao seu marido o melhor tabaco para o seu cachimbo.

O amor cristão caracteriza-se por supor entrega, dom de si, desprendimento e sacrifício de um pelo outro. Quando Inácio de Loyola fala do amor, diz que há duas coisas a ter em atenção: «a primeira é que o amor deve pôr-se mais nas obras do que nas palavras; a segunda é que o amor consiste em comunicação recíproca, a saber, em dar e comunicar a pessoa que ama à pessoa amada o que tem ou do que tem ou pode; e, vice-versa, a pessoa que é amada à pessoa que ama; de maneira que, se um tem ciência, a dê ao que a não tem, e do mesmo modo quanto a honras ou riquezas; e assim em tudo reciprocamente, um ao outro» (Exercícios Espirituais, 230-231). Não se pode amar sem entregar o melhor de nós mesmos na relação.
Hermann Rodríguez Osorio, S.J.
Trad. / adapt.: Rui Jorge Martins

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Quando Deus nos criou não estava distraído

Parece um paradoxo. Mas não é.
A repetição inaciana convida a isto mesmo: repetir para prosseguir. É uma sequência de repetições na nossa vida que nos faz avançar.

O nosso nome não é repetido todos os dias?
Sim, mas renova-nos a vida.
O amor que mantemos aos que nos amam há tanto tempo, não é repetido? 
Sim, mas permiti-nos continuar a construir essas relações.
E quantas vezes já comemos a nossa comida favorita?
Até repetimos. Não é isso que nos faz deixar de gostar, antes pelo contrário.

Haverá garantidamente uma certa arte no repetir.
Não devemos repetir indiscriminadamente.
Mas devemos sempre estar atentos ao que é bom repetir.

Repetir aquele café com aquele amigo, 
voltar aquele lugar que nos dá paz, 
ler aquele livro que nos descansa, 
recitar aquela oração que nos reconciliou com Deus, 
ouvir aquela música que nos sintonizou naquele momento.

Não escrevo sobre nostalgia.
Escrevo sobre os pequenos atos que nos recuperam o ânimo,
que nos relembram de quem somos e de para o que fomos criados.
Que nos devolvem ao que nunca deixámos de ser mas que ficou perdido 
no meio da dor, da confusão, do tempo. 
Dos subtis gestos que nos fizeram dar mais um passo.
Só um, só o pedido, só o necessário.
Daqueles imperceptíveis movimentos que despoletaram caminhos mais definidos, mais reais. 
Os inesperados dons que recebemos sem nada pedirmos. 
As pessoas que nos salvaram sem  o saberem, 
as histórias que nos contaram sem imaginarem que não íamos esquecer. 
As realidades que vivemos e que nos transcenderam a nós próprios e aos nossos sonhos. 
O que já agradecemos e continua a fazer-nos bem.

Ou simplesmente recordarmos que 
quando Deus nos criou não estava distraído. 
Estava empenhado num projeto de Amor cheio de pormenores, 
feito num delicado equilíbrio entre fragilidade e glória. 
Um projeto que repete todos os dias e a toda a hora, 
na esperança de que estejamos atentos 
a mais um detalhe de Amor que nos foi dado ser, viver, receber.

E é numa repetição aparentemente ilógica (mas jamais saudosista), que reconhecemos forças para voltar ao trilho que nos cabe seguir. Pelo menos por agora. Até à próxima proposta criativa de Deus que nos convide a repetir.

Saibamos repetir o pedido da graça de saber repetir.

Andreia Carvalhao
21.09.2015 in essejota.net


segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A luz da lua revela a pequenez do teu quarto

A luz da lua revela a pequenez do teu quarto | Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura



"Há pessoas que trocam pela realidade as ilusões que a televisão lhes dá com fartura ao almoço e ao jantar. Há quem imagina que a verdade é só a que está contida na sua caixa craniana e nos seus raciocínios. Há aqueles que têm sempre necessidade de um útero protetor, feito de pessoas que partilham as suas ideias, que se assemelham a elas e nunca os contradizem."

P. Gianfranco Ravasi

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Homenagem aos amigos...



Palavras de São Gregório de Nazianzo 
ao seu amigo São Basílio.


«Encontrámo-nos em Atenas, como que arrastados pela corrente de um mesmo rio, que desde a fonte pátria nos tinha dispersado por diversas regiões (para onde éramos atraídos pelo afã de aprender), e que, de novo, como se nos tivéssemos posto de acordo, nos voltou a reunir, sem dúvida porque assim Deus o quis.
   
Por aquele tempo, eu não só admirava o meu grande amigo Basílio, pela seriedade dos seus costumes e pela maturidade e prudência das suas palavras, mas tratava de persuadir a outros que ainda não o conheciam, para que tivessem a mesma admiração. Começou a ser tido em grande estima, até por aqueles que lhe levavam vantagem em fama e audiência.

Que sucedeu então? Ele foi o único, entre todos os estudantes que se encontravam em Atenas, a ser dispensado da lei comum e o único a conseguir uma honra maior do que a que normalmente corresponde a um discípulo. Este foi o prelúdio da nossa amizade; este o incentivo da nossa intimidade; assim nos prendemos um ao outro pelo afecto mútuo.

 Com o andar do tempo, confessámos mutuamente as nossas intenções e compreendemos que o nosso mais profundo ideal era o amor da sabedoria; e desde então, éramos um para o outro o mais possível companheiros e amigos, sempre de acordo, aspirando aos mesmos bens e cultivando cada dia mais fervorosa e firmemente o nosso ideal comum.

Movia-nos a mesma ânsia de saber; embora isto costume ocasionar profundas invejas, nós não tínhamos inveja; em contrapartida, tínhamos em grande apreço a emulação. Lutávamos entre nós, não para ver quem era o primeiro, mas para ver quem cedia ao outro a primazia; cada um de nós considerava como própria a glória do outro.

Parecia que tínhamos uma só alma em dois corpos. E embora não se deva dar crédito àqueles que dizem que tudo se encontra em todas as coisas, no nosso caso podia afirmar-se que realmente cada um se encontrava no outro e com o outro.

Uma só tarefa e um só objectivo havia para ambos: aspirar à virtude, viver para as esperanças futuras e comportar-nos de tal modo que, mesmo antes de ter partido desta vida, tivéssemos emigrado dela. Esse foi o ideal que nos propusemos, e assim tratávamos de orientar a nossa vida e as nossas acções, em atitude de docilidade aos mandamentos divinos, entusiasmando-nos mutuamente à prática da virtude; e, se não parecer demasiada arrogância, direi que éramos um para o outro a norma e a regra para discernir o bem do mal.
   
E assim como outros têm sobrenomes recebidos de seus pais, ou adquiridos por si próprios, isto é, com a actividade e a orientação da sua vida, para nós o maior título de glória era sermos cristãos e como tal reconhecidos.»
 
Oratio 43, in laudem Basilii Magni, 15. 16-17. 19-21: PG 36, 514-523

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A solidão enquanto processo de comunhão


«Para escrever sobre mim mesmo,
tinha de me encarar como se fosse outra pessoa.
Foi só quando recomecei tudo na terceira pessoa
que principiei a ver uma saída para o impasse em que me encontrava.
O que é espantoso, creio,
é que o momento em que estamos mais absolutamente sozinhos,
o momento em que entramos realmente num estado de solidão,
é precisamente o momento em que deixamos de estar sós,
em que começamos a sentir a nossa ligação aos outros. (...)
No processo de escrever ou de pensar
acerca de nós mesmos,
convertemo-nos,
de facto,
noutra pessoa.»

Paul Auster, in Experiências com a Verdade

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

"Onde O escondemos?"

Meus amados irmãos,
não pode deixar de nos preocupar a todos esta debandada da juventude,
que tem lugar precisamente na idade em que lhe é dado tomar as rédeas da vida nas suas mãos. Perguntemo-nos: 
A juventude deixa, porque assim o decide? 
Decide assim, porque não lhe interessa a oferta recebida? 
Não lhe interessa a oferta, 
porque não dá resposta às questões e interrogativos que hoje a inquietam? 
Não será simplesmente porque, há muito,
deixou de lhe servir o vestido da Primeira Comunhão, e mudou-o?
É possível que a comunidade cristã insista em vestir-lho?
O seu Amigo de então, Jesus, também cresceu,
tomou a vida em suas mãos no meio dalguma incompreensão dos pais (cf. Lc 2, 48-52)
e abraçou os desígnios do Céu a seu respeito, tendo-os levado a cumprimento
com abandono completo nas mãos do Pai (cf. Lc 23, 46).

Recordo que, num momento de crise e hesitação
que envolveu os seus amigos e seguidores acabando muitos deles por desertarem,
Jesus perguntou aos doze apóstolos:
«“Também vós quereis ir embora?”
Respondeu-Lhe Simão Pedro:
“A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna!
Por isso, nós cremos e sabemos que Tu és o Santo de Deus”» (Jo 6, 67- 69).

A proposta de Jesus tinha-os convencido;
hoje a nossa proposta de Jesus não convence.
Eu penso que, nos guiões preparados para os sucessivos anos de catequese,
esteja bem apresentada a figura e a vida de Jesus;
talvez mais difícil se torne encontrá-Lo 
no testemunho de vida do catequista 
e da comunidade inteira que o envia e sustenta, 
apoiada nas palavras de Jesus: 
«Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20).

Que Ele está, não há dúvida; mas onde é que O escondemos? 
Porque, se a proposta é Jesus Cristo crucificado 
e redivivo no catequista e na comunidade, 
se este Jesus se põe a caminho com o jovem 
e lhe fala ao coração, este seguramente abrasa-se (cf. Lc 22, 15.32).

Jesus caminha com o jovem…

Papa Francisco, no Discurso aos Bispos Portugueses

sexta-feira, 19 de junho de 2015

NÃO te IMPORTA QUE MORRAMOS?

As barcas não foram construídas para ficar ancoradas na segurança dos portos.

Porque tendes assim tanto medo? 
Deus não está noutro lugar e não dorme. 
Está já aqui, 
está nos braços dos homens, fortes a remar; 
está no timoneiro que se agarra ao leme; 
está nas mãos que lançam fora a água que alaga a barca; 
nos olhos que perscrutam a margem, 
na ânsia que antecipa a luz da aurora.

Deus está presente,mas ao seu modo
quer salvar-me, mas fá-lo pedindo-me que meta em jogo todas as minhas capacidades, 
todas as forças do coração e da inteligência. 
Não intervém no meu lugar, mas ao meu lado
não me livra da travessia, mas acompanha-me na escuridão
Não me guarda do medo, mas no medo. 
Assim como não salvou Jesus da cruz, mas na cruz.
Toda a nossa existência pode ser descrita como uma travessia perigosa,
uma passagem para a outra margem, da vida adulta, responsável, boa.
Uma travessia é iniciar um matrimónio; 
uma travessia é o futuro que se abre diante da criança; 
uma travessia tormentosa 
é tentar recompor feridas, 
reencontrar pessoas, 
vencer medos, 
acolher pobres e estrangeiros.
Gostaria que o Senhor gritasse já ao furacão: cala-te; 
e às ondas: acalmem-se; 
e à minha angústia repetisse: acabou. 
Gostaria de ficar livre da luta, 
mas Deus responde chamando-me à perseverança, 
multiplicando-me as energias; 
a sua resposta é força para a primeira remada. 
E a cada uma, Ele a renovará.
Não te importa que morramos? 
A resposta, sem palavras, é dita pelos gestos: 
importo-me de ti, 
importa-me a tua vida, 
tu és importante. 
Importam-me os pássaros do céu, 
e tu vales mais que muitos pássaros, 
importam-me os lírios do campo, 
e tu és mais belo que eles.
Tu importas-me 
ao ponto de ter contados os cabelos da tua cabeça 
e todo o medo que trazes no coração. 
E estou aqui. 
A fazer-me baluarte e fronteira para o teu medo. 
Estou aqui no reflexo mais profundo das tuas lágrimas, 
como mão forte sobre a tua, entrada em porto seguro.

Ermes Ronchi, acerca de Mc 4, 35-41

sábado, 13 de junho de 2015

Mostarda: Deixar a árvore...procurar o grão!


Passa da evidência ao enigma!
O que salta à vista na parábola
do Único Semeador da Vida
não é a Árvore que se impõe,
é o grão que nos escapa,
da vista,
da mão [por entre os dedos]
da vida!

Não te "pendures" apenas nessa "árvore"
Procura o grão que a fez nascer
É lá que está a força do Reino!

Deixa a Árvore...procura o grão!
Afinal o surpreendente é a
desproporção entre
Grão e Reino...

O enigma do Reino da tua vida
estará sempre nesse pequeno grão
que não vês...
que te escapa..
que algumas vezes pisas...
mas que Sustenta a tua Vida!

Sabes onde encontrá-lo?
Não...não é pela árvore (história)
Nunca poderás afastá-la... (recusa-la, ignorá-la)
É pelo semeador!

Se queres saber onde está
o grão de Mostarda da tua vida...
Procura o Semeador!

Quando O encontrares
certamente,
ele terá acabado de lançar a semente!