sexta-feira, 18 de março de 2011

Da Palavra encarnada à Palavra ressuscitada


A sucessão alucinante dos dias
quase não nos deixa espaço para nos encontrarmos com os grandes mistérios da Fé cristã. Este ano, o solistício da Primavera permitiu-nos saborear os mistérios do Natal, aprofundando na liturgia a Epistola aos Hebreus e o Livro dos Génesis para, assim preparados, entrarmos verdadeiramente como peregrinos na “re-criadora” Quaresma.
Neste iato de tempo que medeia a Noite de Natal e a Manha de Páscoa
somos convidados a nos deixarmos envolver pelo dinamismo pedagógico da Trindade. Não explorando exaustivamente os Evangelhos, podemos concluir que
o primeiro e último lugar que Jesus habitou por mais tempo, foram grutas!
A primeira, aquela de Belém, a última, aquela outra, no monte Calvário, o sepulcro. À primeira vista são espaços antagónicos, contraditórios: um de Vida, outro de Morte. Estes dois espaços unem-se num dinamismo pedagógico, que nasce da Trindade: o de o Filho de Deus que se faz homem para tornar os homens Filhos de Deus. Contudo, há uma diferença fundamental: Quem olha para gruta de Belém encontra-a habitada, quem olha o Sepulcro encontra-o vazio! Podemos dizer que a presença de Jesus em Belém como que convoca a não presença no sepulcro aberto. Porquê? Em Belém a lição é a da humildade de Deus que vem aos homens! No sepulcro é ao homem que se exige a humildade da fé para habitar com Deus. Se em Belém Deus vem ao coração do homem, na manhã do sepulcro aberto está a esperança de o Homem ir ao coração de Deus. Então, ambas falam-nos de vida. A primeira da Vida de Deus no meio dos homens, a segunda da Vida dos Homens no meio de Deus! Se na primeira, a presença é Palavra encarnada, na segunda, a ausência é Palavra ressuscitada! Se a primeira mostra a vida divina que vem à humana, a segunda mostra a esperança da vida humana caminhar para a Vida Eterna!
Podíamos dispensar o resto do Evangelho? Não! O dinamismo pedagógico da Trindade, do Amor, reclama Encontro e encontros, com Deus e com os outros; reclama a historicidade da vida, no tempo concreto em que vivemos. É assim que se escreve a Fidelidade. Vem isto a propósito do Ano da Fidelidade. Se da gruta de Belém ao Sepulcro descobrimos a Fidelidade de Deus, tão contraditória quanto surpreendente nas suas manifestações, é porque em Jesus se torna visível Deus que é fiel ao homem, que não se esgota na presença física do seu Filho, mas que se expande na ressurreição, sendo cada um de nós o lugar onde ela se deve visualizar!
Em tempo do centenário da República, recordar a Fidelidade da Boa Mãe, a Irmã Wilson, em tempos tão adversos, é mostrar que a fidelidade não se esgotou na presença da Boa Mãe, mas que se tornou criativa. É porque a ausência não nos fala de distância mas sim de uma “ausência” ressuscitadora. Hoje, em tempos de indiferença, olhar, meditar, deixar-se cativar pela fidelidade histórica da Boa Mãe, hoje, fidelidade ressuscitada na comunhão dos santos, é apelo, estimulo e desafio a refundarmos a nossa fidelidade. Não que ela não aconteça, pois na nossa vida ela deve ser “coisa de todos os dias”, mas revitalizá-la em todos os cantos e recantos da nossa vida. A fidelidade é muito mais do que tarefa nossa, é Dom de Deus que requer a docilidade espiritual mas também a humana, aquela que caracterizava a Boa Mãe. Tempo de Quaresma é caminho para que esta passagem de Belém ao Sepulcro crie espaço para nos deixarmos envolver pelo dinamismo pedagógico da Trindade, que em Jesus preparou os discípulos para a luminosa manhã. Olhar a Fidelidade da Boa Mãe será sempre nascer e renascer em nós o desejo de sermos portadores da Mensagem de Vida da radiosa Manhã de Páscoa.
Pe António Estêvão Fernandes
In Boletim da Boa Mãe