domingo, 30 de novembro de 2014
《Oh, se rasgásseis os céus e descêsseis》 is 63,19
«Oh, se rasgásseis os céus e descêsseis!» (Isaías 63, 19). O profeta abre o Advento como um mestre do desejo e da espera. Jesus preenche a espera de atenção.
São as mães que conhecem profundamente a espera, que a aprendem durante os meses em que o seu ventre cresce de vida nova. Esperar é o infinito do verbo amar.
Advento é um tempo de caminhantes: tudo se faz mais próximo, Deus de nós, nós dos outros, eu de mim próprio. Um tempo em que se abreviam distâncias, entre céu e terra, entre homem e homem, e se começam caminhos.
No Evangelho deste domingo o proprietário parte e deixa tudo nas mãos dos seus servos, a cada um a sua tarefa. Uma constante de muitas parábolas, onde Jesus narra o rosto de Deus que deixa o mundo nas nossas mãos, que confia as suas criaturas à inteligência fiel e à ternura combativa do homem.
Mas há um duplo risco que pende sobre nós. O primeiro, avisa Isaías, é o do coração endurecido: «Porque nos deixais desviar dos vossos caminhos?». A dureza do coração é a doença que Jesus mais teme, que combate nos fariseus, que quer curar com todo o seu ser. Máximo, o Confessor, dizia: «Quem tem o coração doce será perdoado».
O segundo risco é viver uma vida adormecida. O Evangelho entrega-nos uma vocação para o despertar, porque «sem despertar não se pode sonhar» (R. Benigni).
O risco diário é uma vida adormecida, incapaz de colher chegadas e inícios, amanheceres e nascentes, de ver a existência como uma mãe à espera, grávida de luz; uma vida distraída e sem atenção.
Viver com atenção. Mas a quê? Atentos às pessoas, às suas palavras, aos seus silêncios, às perguntas mudas, a cada oferta de ternura, à beleza de ser vida grávida de Deus.
Atentos ao mundo, nosso planeta bárbaro e magnífico, às suas criaturas mais pequenas e indispensáveis: a água, o ar, as plantas. Atentos ao que acontece no coração e no pequeno espaço em que me movo.
Somos argila nas tuas mãos. Tu és aquele que nos dá forma (cf. Isaías, primeira leitura de Domingo). O profeta convida a perceber o calor, o vigor, a carícia das mãos de Deus, que cada dia, numa criação imparável, nos plasma e dá forma, que nunca nos deita fora se o nosso vaso não sai bem, mas que nos coloca sempre de novo sobre o torno do oleiro.
Ermes Ronchi
In "Avvenire"
sábado, 29 de novembro de 2014
Abrir os olhos às coisas da eternidade....
Na relação com Jesus, nomeadamente nos Evangelhos, sobretudo São Lucas, somos solicitados para uma pedagogia do olhar, que leve ao verdadeiro encontro com a pessoa de Jesus Cristo. Existe como que um percurso de conversão que nos leva desde a fisiologia do olho à profundidade da visão, enquanto sentido Epifanico, que nos leva de criaturas a Filhos de Deus.Começamos por querer olhar e ver Jesus para nos deixarmos ver POR Ele, e olhar e ver COMO Ele.
Ao traçar um possível caminho de preparação especial para o Advento, sugiro que façamos deste tempo uma escola do olhar. Para isto, recordo aqui uma das cartas da Venerável Irmã Wilson a Maria Cecília (28.12.1913), que se encontrava cega. Diz-lhe: “Tirando a vista deste mundo, Ele quer certamente abrir-lhe os olhos às coisas da eternidade e fixá-los n’Ele próprio, que é a luz das nossas almas, nossa vida, nosso tudo.”
O tempo do Advento e Natal cansa os nossos olhos e deslumbramento com as luzes, decorações, imagens, postais, etc. Daqui advém o risco de perdermos a capacidade da Visão, daquele olhar biblíco, que se centra em ver Jesus, que nos vê, e que nos quer a olhar e a ver como Ele.
Para nós cristãos é importante acolher e meditar aquelas palavras de Mary Jane Wilson para que possamos fazer verdadeiramente Advento. Fixar o nosso olha n’Ele próprio, razão de ser do Natal, do Advento. Encontrar-se com Jesus, recusando desencontrar-se d’Ele, no emaranhado de tantas solicitações que nos dispersam do essencial. Aliás, este olhar de fé, tantas vezes solicitado pela Irmã Wilson, é para nós fundamental se quisermos verdadeiramente nos abaixarmos diante do Menino, que é Deus-connosco.
Caminho de Advento – aprender a olhar e ver Jesus, para que olhados por Ele, possamos olhar e ver com e como Jesus: os nossos Zaqueus, filhos pródigos, Bartimeus…e também as aves do céu e os lírios do campo.
Tempo de Advento: Abrir os olhos às coisas da eternidade.
segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Cântico dos Cânticos é o Santo dos Santos
se presta à articulação de um diálogo entre Deus e o ser humano?
(...)
A palavra, mas também a atração que impele os interlocutores do Cântico dos Cânticos um para o outro, é igualmente determinante para a diferença que sela o seu diálogo. A sua união realiza-se a um nível poético, nas metáforas que eles inventam um para o outro e um sobre o outro. (..) Ele diz: «A uma égua entre os carros do Faraó eu te comparo, ó minha amiga» (Ct 1,9); «Minha pomba, nas fendas do rochedo, no escondido dos penhascos, deixa-me ver o teu rosto, deixa-me ouvir a tua voz. Pois a tua voz é doce e o teu rosto, encantador» (Ct 2,14). Ela responde: «O meu amado é semelhante a um gamo ou a um filhote de gazela. Ei-lo que espera, por detrás do nosso muro, olhando pelas janelas, espreitando pelas frinchas» (Ct 2,9). Aqui a linguagem constrói-se num face a face, vital no diálogo amoroso.
Na simetria deste diálogo, cada um se recebe da palavra do outro. Cada um é criador e pessoa, sem uma qualquer vantagem ou supremacia sobre aquele diante de quem está. Neste diálogo, não há lugar para dominação ou subordinação, nem qualquer estereótipo sobre um ou o outro sexo. Este diálogo amoroso emerge como um santuário de liberdade, onde os que se amam se expressam através de metáforas vivas e figuras inéditas. Amam-se numa atmosfera de liberdade e de igualdade, de um face ao outro, de um para o outro, num amor onde o carnal é espiritual e o espiritual é carnal, deixando à visibilidade das palavras a possibilidade de ser porta que nos aclara a invisibilidade de um amor que sustém e impele.
(...)
Por isso, a pergunta: mesmo que o Cântico dos Cânticos nos remeta, apenas, para a realidade de um profundo amor humano, quem ama como se ama no Cântico dos Cânticos? Ninguém! Somos tentados a responder! Ninguém, senão o Deus da aliança; ninguém senão o amor que precede todos os amores. Percebemos, então, que o amor humano cantado nas palavras do Cântico dos Cânticos transporta no seu âmago a linguagem de uma aliança e do amor que redime e precede todos os amores. Nesta compreensão, a linguagem literal do amor humano adensa-se e plenifica-se, tornando-se síntese do humano e do divino. A mesma síntese que em Cristo une a humanidade e a divindade, revelando, simultaneamente, o Deus e o ser humano. Este entrelaçamento de amores (divino e humano) é um dado intrínseco e transversal a toda a Revelação Bíblica.
(...)
Por isso, pode dizer-se, sem receio, que sem a experiência que o leitor crente tem do amor de Deus é impossível a inteligência plena do poema do Cântico dos Cânticos. Porque só o amor entende o amor. Em Jâmnia, no final do séc. I, Rabbi Aqiba, uma grande figura do judaísmo farisaico, conhecia este amor. Por isso, no meio de uma acesa disputa judaica sobre a sacralidade do Livro do Cântico dos Cânticos, ele ergueu um testemunho que o tempo nunca apagará: «Que jamais alguém, em Israel, conteste e diga que o Cântico dos Cânticos mancha as mãos. Porque o mundo inteiro não é digno do dia em que o Cântico dos Cânticos foi dado a Israel. Na verdade, todas as Escrituras são santas, mas o Cântico dos Cânticos é o Santo dos Santos».
sábado, 15 de novembro de 2014
JÁ TE PESASTE HOJE?
terça-feira, 4 de novembro de 2014
"VOU CONTAR UMA HISTÓRIA"
Havia uma rapariga que era maior de um lado que do outro.
Cortaram-lhe um pedaço do lado maior:
foi de mais.
Ficou maior do lado que era dantes mais pequeno.
Cortaram.
Ficou de novo maior do lado que era primitivamente maior.
Tornaram a cortar. Foram cortando e cortando.
O objectivo era este: criar um ser normal.
Não conseguiam.
A rapariga acabou por desaparecer de tão cortada nos dois lados.
Só alguma pessoas compreenderam.»