quarta-feira, 26 de março de 2014

Primaverar

Uma das formas de conjugar a primavera
é a descoberta que cada um de nós vai fazendo,
a tempo e fora do tempo,
da aliança entre a existência e o inacabado.

Quando, de repente,
tínhamos tudo para nos pensarmos completos,
gastos ou acabados,
descobrimos que a vida é o aberto.

A verdadeira sabedoria,
aquela que nos faz tocar o coração da vida,
é a sabedoria do inicial,
do verde tenro,
do primaveril,
do incessante.

Tem toda a razão a sentença de Lao Tsé:
«Quando ingressam na vida,
os homens são tenros e fracos;
quando morrem são secos e duros.
Por isso, os duros e fortes
são companheiros da morte,
e os tenros e frágeis
são companheiros da vida».

Quando vamos de um lado para o outro
estamos, normalmente,
presos aos motivos que justificam a deslocação.
Mas - temos de reconhecê-lo -
 uma viagem assim é demasiado curta
E não é isso primaverar.

Há uma outra viagem
que só começa quando as perguntas
sobre o que fazemos ali
deixam de interessar.
 Estamos, por final. Viemos.

Não é o saber ou a utilidade que a definem,
mas o próprio ser,
a expressão profunda de si.

A sabedoria dos que primaveram
não consiste, assim,
num conhecimento prévio,
mas em alguma coisa que
se descobre na habitação do próprio caminho.
 José Tolentino Mendonça 
22.3.2014 in Expresso

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