sábado, 25 de outubro de 2014

"Descolar-nos"


Sob a pena imaginária de Adriano, 
nas palavras de uma carta nunca escrita, 
Marguerite Yourcenar dá-nos o colorido de uma história pessoal cheia de peripécias, 
rica em reencontros e feita de decisão, coragem e inteligência. 
Dá-nos também o acesso, com uma mestria sem igual, 
a um mundo que nos já se tornou distante de nós nos hábitos, 
nos valores e nas crenças, aquele do Império romano. 
Mas, oferece-nos algo ainda mais precioso. 
Oferece-nos um espelho. 
A história de Adriano, contada de uma distância nostálgica em relação a todo o vivido, 
é uma porta para a nossa própria história, 
para os seus caminhos mais ou menos tortuosos, 
para os dias em que tomámos decisões 
e
para os dias em que outros as tomaram por nós. 
Talvez por isso o exercício de ler este pequeno grande livro 
pode 
verdadeiramente 
‘descolar-nos’. 
Pode deixar-nos em suspenso das linhas 
tantas vezes imperceptíveis da nossa história pessoal. 
Convida-nos também, sem moralismos, a ir além dos caprichos, 
além das nossas ‘pequenas verdades’, 
num esforço de superação que nos devolva ao essencial, 
ao esquecido, às memórias grávidas de futuro.

Francisco Martins, sj 16.07.2013

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A Beleza

"Beauty begins in the moment you decide to be yourself" 

Encontrei-me com esta frase na montra de uma loja.
Cobria o vidro com palavras carregadas e servia de janela a
um manequim. 
Estava despido. 
Não mostrava as grandes percentagens de desconto,
os chapéus, brincos, colares, pulseiras, anéis,
camisas, casacos, calças, sapatos, carteiras
e os brilhantes do costume.
Só a frase e o boneco despido, a branco.

Entrei e deixei-me ficar.

"Vestimo-nos", muitas vezes, 
dos sonhos de outros, 
das atitudes de outros, 
dos medos de outros, 
dos desejos de outros, 
mas que nada dizem do que realmente somos, 
são como que uma pele que não nos pertence. 

Deixamo-nos sufocar em números largos e apertados,
desajustados do que somos e seguimos a tendência do costume,
do outro, dos outros, do aceite, do que esperam de nós.
Vamos pelo brilho, quase sempre o brilho! 
E é tão difícil despirmo-nos do brilho,
do centro das atenções, do sucesso, do que sobressai da realidade, 
das imposições de outros, do medo de falhar, 
de tudo o que nos impede de sermos autênticos.

Aprender a "vestirmo-nos" do que somos 
é um diálogo permanente com Quem nos criou, 
é um processo de conhecimento, 
uma relação onde os outros e a realidade estão implicados, 
mas cada um na sua medida, 
uma medida que se ajusta sem sufocar, 
que situa e destaca, não pelo brilho, 
mas pela originalidade do Amor 
com que fomos e somos a cada dia criados. 

 Luísa Sobral 
 03.10.2014