quarta-feira, 30 de janeiro de 2008


"...As coisas nao sao todas tao apreensiveis e diziveis como muitas vezes se gostaria de nos fazer crer; a maior parte dos eventos sao indiziveis, prefazem-se num espaco que nunca foi tocado por uma palavra, e mais indiziveis que tudo sao as obras de arte, existencias secretas cuja vida perdura enquanto a nossa passa. ...Uma obra de arte e boa quando nasce da necessidade. nesta sua maneira de irromper esta o seu veredicto: nao ha mais nenhum.Por isso, meu caro Senhor, nao podia dar-lhe outro conselho alem deste: entrar em si mesmo e examinar as profundezas de que brota a sua vida; nas nascentes dela econtrara resposta a pergunda sobre se deve criar..."

Rainer Rilke, Cartas a um jovem poeta

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

E foi Dezembro...

E foi Dezembro
Dito Em tua voz
Que as minhas mãos
Colheram Devagar.

E foi Dezembro
Escrito
Quando a sós
Tudo disseste
Quase Sem falar.

Foi um palco
Vazio
A acontecer
No frio
Que se ergueu
Dentro de nós.

Uma distância
O mar
Que se estendeu
A separar da minha
A tua mão.
E foi Dezembro Inteiro
A anunciar
A solidão
Dos dias
Por nascer.

E foi Dezembro
À chuva a reviver
As pedras
E os rios
E os luares.

Os nomes
Que vestiam
Os lugares
E os sonhos
Repartidos
Que não fomos.

A coragem
Nascida
De aceitar
A verdade de ser
O que hoje somos.

E foi Dezembro
Vivo
Na roseira
Despida
No silencio
Do jardim.

E foi Dezembro
Ainda na cegueira
Das asas de uma ave
Que há em ti.

Foi um tempo
De amantes
A aprender
Que não deve esquecer-se
O verbo amar.

Ou um inverno
Apenas
A perder-se
Da primavera
Do primeiro olhar.

Luís Represas

Urgentemente


"É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros
e a luz impura, até doer.
É urgente o amor,
é urgente permanecer."
Eugénio A.

domingo, 27 de janeiro de 2008


"Das pesadas trevas que ficam no nosso passado com as quais conservamos uma relação vaga e débil, surge um momento em que depositamos nele todas as nossas primicias, toda a confiança, as sementes de tudo quanto um dia pôde florescer. E de repente, percebemos: tudo se afundou num mar imenso e nem sequer sabemos quando. Nunca damos por isso. Como se alguém juntasse todo o seu dinheiro e fosse comprar uma pena e adornasse com ela o chapéu, que a primeira brisa arrasta. Chegamos naturalmente a casa sem a pena, e nada resta senão olhar para trás e pensar quando é que ela poderá ter desaparecido."
RR

A vida dos "e pelos" livros...


"O livro, atenta a natureza da necessidade que visa satisfazer, é um bem complexo. Por se destinar a ser consumido pelo pensamento, não pode considerar-se uma simples mercadoria. As leis meramente económicas não lhe podem esgotar a vida. Basta que cada um de nós evoque as primeiras leituras e considere as impressões que delas lhe ficaram pela vida fora para reconhecer na palavra que o livro transmite uma chave que nos abre um mundo em pleno coração. A palavra reconstrói-nos as coisas na inteligência e tão hábil se revela em instalar-se no mais intimo de nós que, por muito ingénua que seja, sempre precipita uma deliberação e orienta a face para determinado comportamento."

RB

Houve quem dormisse...

"Houve também quem dormisse para aprender até ao mais fundo como a memória respira, como o desejo e o corpo respiram, como respira a treva. Tornou-se sábio, este, à força da respiração nocturna. Tivera revelações, sabia dos nascimentos, das formas imóveis, cores dobradas no escuro, dolorosamente, até que delas rebentava a luz aterradora das paisagens."
HH

De olhos na noite

"Reconhece então os sinais da sua vida e algures recomeça uma antiga dor e, a negro, essa dor vai enchendo a folha vazia e é como uma casa que os fantasmas em visita demandassem pela noite fora. Tudo se enreda e confunde, tudo se desmorna e reconstroi quando ele vê um país distante, no sul da sua melancolia, e é um país de fogo, com vastos incêndios à volta e um vulcão à espreita na sua alma. Ele estremece. Um cão ladra muito alto. Um relampago fulmina a noite e ele tem medo. Na folha outrora branca, vazia, há agora uma densa sombra de mistérios que alastra. Não há paz para o seu coração e os olhos que ardem fixam-se num lugar muito longe onde canta o pássaro invisível do poema e das estrelas. Em silêncio, só, ele continua a escrever."
JAB